Produção e o uso de brinquedos

Publicação: 7th congresso internacional  ITRA – International Toy Research Association (jul/2014)

Produção e uso de brinquedos:

Cocriação entre universidades, fabricantes de brinquedos e Ministério da Educação no Brasil.

Tizuko Morchida Kishimoto
 Ângela Renso Madeira

Muito vem acontecendo no mercado de brinquedos desde a publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil, em 2009[1], documento que estabelece “a brincadeira e as interações” como eixo de trabalho para o sistema de educação infantil público e privado.

Desde então, os fabricantes de brinquedos, através da ABRINQ – Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos – vêm estreitando seu relacionamento com o Ministério da Educação para alinhar o que é produzido no Brasil com as necessidades imediatas das instituições de Educação Infantil. Esse processo passa por uma nova concepção de infância, pela compreensão da importância do brincar e pela revisão da qualidade dos brinquedos, tendo em uma ponta os educadores e, na outra, os fabricantes de brinquedos.

O conceito e a qualidade dos brinquedos para uso coletivo são diferentes dos considerados no processo de fabricação daqueles destinados ao uso doméstico, foco da indústria nacional nos últimos 30 anos. Estamos entrando em uma nova fase e vivenciando um momento histórico no país em que a parceria entre universidades, fabricantes de brinquedos e Ministério da Educação tem-se voltado ao objetivo de abastecer as escolas públicas com brinquedos de qualidade e para que as indústrias brasileiras tenham acesso a esta nova e significativa fatia de mercado.

Os fabricantes estão diante de uma grande oportunidade comercial que tem exigido algumas habilidades até então não desenvolvidas. Uma delas é a busca pela fundamentação teórica em pesquisas acadêmicas uma vez que, desde a abertura do mercado, a indústria de brinquedos brasileira, seguindo uma tendência mundial, deixou-se seduzir pelo licenciamento de personagens. Pouco se trabalhou no desenvolvimento de novos conceitos de produto, pois, a facilidade de adequação e a garantia de faturamento através de personagens consagrados pela mídia acomodaram os fabricantes que, por isso, não investiam em novos conceitos de brinquedos como poderiam.

Da mesma forma que uma nova concepção de infância e educação exige formação profissional dos educadores, o desenvolvimento de brinquedos para uso institucional requer investimento e empenho para formação de novos conceitos por parte da indústria. Essa formação considera um “espaço para um diálogo” sobre a mudança de mentalidade nas “relações das crianças e da Educação Infantil com as brincadeiras”. Exige uma definição de encontros entre fabricantes de brinquedos, Ministério da Educação e universidades com o objetivo de transmitir aos empresários e designers que atuarão no desenvolvimento dos brinquedos concepções pedagógicas e princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar para compreensão das demandas efetivas da educação. 

Educação Infantil, o brincar e o sistema de compras.


[1] A Resolução CNE/CEB 5/2009. Diário Oficial da União, Brasília, 18 de dezembro de 2009, Seçao1,p.18 fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.

O Brasil é uma das poucas sociedades que concebe ao Estado o dever com a educação da criança desde o seu nascimento. Em decorrência dos dispositivos da Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA –, em 1990, e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1996, o Estado brasileiro assumiu a educação infantil de zero a seis anos como ação intrínseca e inseparável da educação básica. Esta concepção muda o lugar da infância e muda as competências do Estado brasileiro. 

O governo federal não é responsável pela oferta de educação infantil, mas assegura esse direito a todos os cidadãos como primeira etapa da educação básica, através de políticas públicas. A responsabilidade é dos municípios já que o sistema federativo descentraliza responsabilidades e divide competências entre governo federal (união), estados e municípios.  O Ministério da Educação (MEC), através da Coordenação de Educação Infantil (COEDI), fica responsável pela concepção pedagógica, pelo apoio técnico e financeiro, bem como pela coordenação de Diretrizes Nacionais de Educação Infantil.

Essa nova concepção de infância e da criança como sujeito de direitos exigiu também alterações no sistema educacional. Foram necessárias mudanças de legislação para se chegar a uma base nacional comum. O currículo da Educação Infantil passou a se estruturar em dois eixos: a brincadeira e as interações.  

Segundo Vigotsky, a atividade de brincar vem preencher necessidades da criança. Necessidades de realizar desejos, que acabam por incentivar ações de desenvolvimento. A imaginação, como todas as funções da consciência, surge da ação. A situação imaginária, que se inicia na idade pré-escolar, é uma característica que define o brinquedo em geral. Vigostky afirma que “Os brinquedos na idade pré-escolar são os meios através dos quais esses desejos podem ser realizados” [1]. Baseado nestes conceitos pode-se concluir que o brincar é uma ação simbólica, de representação, motivada por elementos que sugerem regras de comportamento. Quando um objeto pode ser usado, em função de suas propriedades e de seu significado, como outro, ele se torna um brinquedo ideal. Brinquedo ideal que auxilia no desenvolvimento infantil.

As Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil passam a ser então, o marco normativo que explicita a importância da brincadeira como constitutiva da identidade da educação Infantil. Somente a partir dessa política pública é que o brinquedo pôde ser visto como material de consumo, ou seja, item que precisa ser licitado e reposto com certa periodicidade.  O Ministério da Educação precisa de parceiros para que as políticas sejam executadas. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE – é um desses parceiros com poder para conciliar esforços e competências entre união, estados e municípios. Ele presta assistência técnica e financeira e organiza processos licitatórios através de grandes pregões eletrônicos e ATAS de Registro de Preços. Este sistema de compras permite que os municípios tenham liberdade de escolher os brinquedos que mais lhe pareçam convenientes, dentre um determinado “mix de produtos” já licitados pela união. Tudo isso acontece por intermédio de um portal de gestão do Ministério da Educação (MEC) que se articula com as secretarias de educação através do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE. Além desse recurso, os estados e municípios têm ainda autonomia para realizar suas próprias compras através de processos licitatórios diversos.Portanto, a seleção de brinquedos que irão compor o universo escolar da educação infantil exige cuidados e conhecimentos, algo a ser transmitido e assimilado no momento da formação dos profissionais que atuam na Educação Infantil. 

Em 2012, o Ministério da Educação, em parceria com as universidades, produziu três grandes listas de brinquedos a serem licitados e oferecidos para todas as creches e escolas públicas brasileiras.

As listas foram divididas em: uma lista básica, considerando toda a grade da educação infantil – 0 a 5 anos e 11 meses; uma lista direcionada para creches, contendo brinquedos para crianças de 0 a 3 anos e 11 meses; e uma lista específica para pré-escola para crianças entre 4 e 5 anos e 11 meses.

A primeira lista, para crianças de 0 a 5, apresenta-se como uma espécie de “enxoval básico” que uma escola de educação infantil deveria ter. Ela possui 47% de seus itens direcionados para favorecer a brincadeira simbólica.

A escolha e o uso dos brinquedos

Apesar de esta nova oferta valorizar a brincadeira simbólica, isso não garante que esses brinquedos cheguem às escolas municipais. A liberdade que o sistema de compras proporciona, possibilita que o acervo do município fique sujeito à visão que os professores e gestores municipais têm da educação infantil. A seleção feita a partir do mix de brinquedos nos revela o olhar do profissional e a concepção de educação Infantil de determinado gestor municipal. Deparamo-nos aqui, mais uma vez com a importância da formação desses profissionais.

Há aproximadamente 15 anos, foi realizada uma pesquisa junto a uma amostra de escolas da rede municipal de educação infantil de São Paulo, com o objetivo de perceber formas de socialização e apropriação da cultura através do acervo de brinquedos e materiais pedagógicos e suas frequências de uso. Ao comentar os valores refletidos na cultura escolar, Kishimoto (1998)[2] afirma que “investigar valores que orientam a escolha de brinquedos e materiais pedagógicos implica buscar raízes que explicam os usos e significações de tais recursos na prática pedagógica. Uma das hipóteses é a de que concepções de criança e de educação infantil estão na base desses valores”.  

Na época, os brinquedos e materiais destinados às atividades simbólicas, de construção e socialização da criança foram os menos privilegiados, representando apenas percentuais que variaram entre 4 e 35 do total da amostra. Citando Nóvoa (1992), Kishimoto conclui que “se a estrutura física e material revela valores assumidos pela organização escolar, pode-se inferir que a função simbólica, a criatividade e a socialização da criança são pouco relevantes nas escolas pesquisadas, dada a pequena participação de brinquedos de natureza simbólica, de construção e destinados a socialização, no acervo das unidades”.

Atualmente, de acordo com o último relatório consolidado de solicitação[3], o percentual de municípios que já aderiram às atas de registro de preços, representa 37% do montante de 5.500 municípios brasileiros. Este estudo exige acompanhamento futuro para que possamos medir a evolução da compreensão da real contribuição dos brinquedos no desenvolvimento infantil ao redor de todo o país.

Formação Profissional e guia prático de orientação de professores

Fica evidente até aqui, que, para se escolher um brinquedo adequado, é fundamental conhecer tanto as crianças como os brinquedos em questão. Considerando os brinquedos para uso institucional, é imprescindível se atentar para a qualidade, as características das interações que ele proporciona e suas contribuições para o desenvolvimento infantil. Esses aspectos irão nos proporcionar um leque equilibrado de brinquedos. Em relação ao grupo de crianças, vale dizer que é de extrema importância, além da idade, que o educador ou administrador responsável pela compra ou indicação, conheça a fase de desenvolvimento, o ambiente, bem como as necessidades e desejos dos alunos. Nenhuma criança tem a mesma evolução que outra, mas quando bem pequenas se comportam mais ou menos da mesma maneira. Sendo assim, podem-se preparar listas de brinquedos por classes de idades, principalmente para grupos de educação infantil tanto para creches como para pré-escolas. Mas é preciso muita atenção, pois, quanto mais as crianças crescem, mais as diferenças entre elas vão aumentando, e uma maior variedade no acervo de brinquedos a ser oferecido deve ser considerada. 

Com o objetivo de auxiliar no processo de formação dos profissionais de educação, o MEC solicitou à Universidade de São Paulo o desenvolvimento de um manual de orientação, que pudesse ser enviado a todas as escolas públicas de educação infantil antecipadamente à chegada dos brinquedos. Com o apoio do Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF), o livro Brinquedos e brincadeiras nas Creches: um manual prático pedagógico[4] foi produzido em duas configurações: em um único volume e em 5 módulos para serem distribuídos entre os educadores das instituições.

Percebeu-se que, em função da riqueza e clareza de informações, o conteúdo do manual é adequado também para os fabricantes de brinquedos interessados em desenvolver novos conceitos de produtos para uso institucional. A partir da compreensão da rotina e adequação de atividades, por fase do desenvolvimento infantil, o fabricante passa a ter suporte teórico para gerar novos conceitos de produtos.

Dificuldades da indústria e a qualidade dos brinquedos.

Uma das principais dificuldades que a indústria nacional tem enfrentado é a grande concorrência de empresas especializadas em licitações, não especializadas em brinquedos. Trata-se de uma concorrência experiente em mecanismos operacionais que oferece produtos diversos a preços mais baixos, mas que nem sempre, prima pela qualidade.  Tais empresas, na sua maioria terceirizam a produção dos itens que vendem e normalmente recorrem à produção fora do Brasil para obtenção de melhores custos de fabricação.  Tenho como hipótese que isso acontece porque o sistema de compras além de privilegiar o melhor preço, é incompleto na fiscalização das entregas. A grande extensão territorial e a quantidade de municípios dificulta esse controle. Se os produtos entregues em grandes volumes são diferentes das especificações técnicas dos editais e das amostras aprovadas, o custo de fabricação dos produtos tende a ser menor e consequentemente o preço de venda também. Enquanto isso, grandes indústrias nacionais de brinquedos têm sua capacidade produtiva de certa forma ociosa.

Para que a qualidade dos brinquedos recebidos seja garantida seriam necessárias inspeções nas fábricas ganhadoras e na totalidade das remessas enviadas. Por mais que pareça oneroso, certamente a fiscalização na origem das remessas tende a ser mais econômica do que se fosse feita nas cidades destino. Esse controle precisaria ser realizado por profissionais de Organismos Certificadores da Produção (OCP’s) e/ou técnicos de laboratórios acreditados pelo INMETRO.

As normas de segurança atuais estabelecidas pelo INMETRO não garantem a “qualidade” no que se refere à durabilidade e tempo de vida útil dos produtos, pois, como apontamos anteriormente, foram desenvolvidas considerando brinquedos para uso doméstico que muito se diferenciam de brinquedos para uso institucional. O brinquedo de uso institucional pede um sistema de avaliação mais criterioso. Os brinquedos para este fim precisam de “certificados de garantia para uso coletivo exaustivo”. O rigor dessas avaliações, além de garantir a melhoria na qualidade, tende a dificultar as ações de empresas aventureiras não especialistas, que são as que têm vencido os pregões eletrônicos de brinquedos. Atualmente, o Guia de Brinquedos e Jogos[5], organizado pela equipe “Abrinquedoteca” que é mantida pela ABRINQ há aproximadamente 10 anos, faz exatamente esse tipo de avaliação. Anualmente, a partir de testes mediados por profissionais do brincar, em diversas instituições, brinquedos são avaliados por sua adequação aos ambientes coletivos. Esse trabalho resulta ainda em relatórios com orientações para os fabricantes indicando pontos fortes e fracos dos produtos avaliados.

Outro ponto que merece destaque são os altos custos de transporte e envio de mercadorias para toda a extensão do território brasileiro.  Temos como hipótese que o desenvolvimento de estratégias logísticas em parceria com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos acarretaria na redução geral de custos, além de ampliar o poder de negociação do FNDE, justificando, assim, o subsídio das despesas de distribuição.  A redução das despesas dos fabricantes com a distribuição, certamente acarretaria em uma análise mais justa dos preços concorrentes, indicando de forma mais expressiva a qualidade de componentes e processos de fabricação na formação de preço dos brinquedos.

Para aproveitar este momento e transformar cada um dos problemas em oportunidades, a indústria de brinquedos precisa se reinventar, aproximar-se da educação e inovar sua forma de pensar e suas estratégias de ação. Temos aqui, situações problema que pedem um trabalho de cocriação: estudar juntosuma forma de levar um produto a um mercado específico.

Elo entre a educação e a indústria

Dentro desta proposta a ABRINQ organizou, em maio de 2014, a primeira reunião denominada “Reunião Técnica de Brinquedos Institucionais”, contando com a presença de profissionais da educação, de gestores que tem desafios diários em cidades grandes como São Paulo, Florianópolis e Belo Horizonte e de 25 empresas fabricantes de brinquedos. Além da exposição das diferentes realidades, o evento considerou prudente abordar questões mercadológicas e estéticas. Houve palestras com um professor de marketing, intitulada “Inovação no setor de brinquedos – uma aliada para a educação”, e com um professor de design: “Produtos para educação Infantil – aumentando a competitividade e agregando valor ao produto”. 

Um calendário com reuniões semelhantes se faz necessário em função dos inúmeros aspectos que precisam ser analisados em conjunto: o que produzir, com que qualidade, a que preços, como comprar como distribuir, como fiscalizar as entregas, enfim, como atuar diante desse novo contexto.  

.Diante de todos esses aspectos, a indústria de brinquedos é levada a rever o sistema de classificação de brinquedos ICCP (International Council for Children’s Play) que atualmente é utilizado como anexo E da NM300[6], norma de segurança de brinquedos em vigor nos países do MERCOSUL.  A NM300 vigora há 9 anos  e a principal finalidade do ICCP  como anexo dessa norma era  fornecer faixas de idade de referência às quais os brinquedos se destinavam . Como essas referências de idade eram abrangentes e davam margem para interpretações diversas, a classificação era vista com certo descaso por parte da indústria.

Para que se possa avançar na relação entre educação e indústria, precisamos de uma “ponte”. Conceitos que façam sentido para esses dois universos tão distintos e, ao mesmo tempo, agora, tão complementares. O “ICCP, Revisão 2013” tem como objetivo fazer esse papel.

Princípios teóricos da classificação de brinquedos

Esse sistema de classificação, que foi introduzido no Brasil na década de 80 por Raquel Zumbano Altman, é baseado no original criado pelo estudioso de brinquedos André Michelet em parceria com o Centre National d’Information du Jouet (França). O ICCP classifica os brinquedos considerando aspectos relacionados ao desenvolvimento motor, linguístico, cognitivo e o comportamento da criança de diferentes faixas etárias. São 7 famílias, consideradas “categorias” contendo diferentes “subcategorias” .  Desde sua origem, o sistema previa possíveis revisões de atualização considerando a evolução natural do mercado e principalmente a criação de novos conceitos de brinquedos.  A primeira revisão foi realizada pela equipe do LABRIMP – Laboratório de brinquedos e materiais pedagógicos da FE/USP (Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo), em 1997, sob coordenação da Profa. Dra. Tizuko Morchida Kishimoto, Raquel Z. Altman e Roseli Aparecida Mônaco.

Atendendo a uma solicitação da ISO – International Standard Organization – o grupo brasileiro de estudos de segurança de brinquedos vinculado à ABNT propôs uma nova metodologia para determinação da faixa etária inicial de brinquedos a partir da revisão do ICCP. O “ICCP REVISÃO 2013” contém as mesmas 7 famílias de produtos, com faixas etárias iniciais vinculadas a cada uma das 148 subcategorias. Essa revisão da classificação teve grande repercussão junto aos demais grupos de estudos de segurança de brinquedos de outros países ligados a ISO e foi levada a consulta pública internacional como relatório técnico ISO/TC 181 N 643parte do projeto ISO/TR 8124-8 Safety of toys – Guidelines for determining the age of onset of toys que está em sua última fase de aprovaçao para se transformar na norma internacional ISO/TR 8124-8 AGE DETERMINATION GUIDELINES.  O documento é destinado a fabricantes e organismos de avaliação da conformidade da segurança de brinquedos, mas pode, perfeitamente, ser utilizado como referência de adequação de brinquedos por faixa etária, por distribuidores, instituições e organizações destinadas ao entretenimento infantil, assim como, por instituições pedagógicas, educadores, profissionais de áreas diversas que utilizam brinquedos em sua rotina, bem como por consumidores em geral.

  1. Brinquedos para atividades sensório-motoras – primeira idade
  2. Brinquedos para atividades físicas
  3. Brinquedos para atividades intelectuais
  4. Brinquedos para atividades que representam o mundo técnico
  5. Brinquedos para o desenvolvimento afetivo
  6. Brinquedos para atividades criativas
  7. Brinquedos para relacionamentos sociais

Entre os estudiosos do brinquedo e suas interações, André Michelet se destaca quando compara e conclui que: “tanto as escolas da psicologia do desenvolvimento representadas por Wallon e Piaget que veem o brinquedo como meio de experiências que permite à criança analisar o mundo e construir a sua individualidade, assim como, da psicologia profunda representadas por Melaine Klein e Winnicott que colocam o brinquedo como instrumento de unificação da personalidade da criança compactuam da ideia de que a criança deve desenvolver-se de forma harmoniosa: corpo (motor e sensorial), inteligência (reflexão, aquisição), afetividade (transferência e imitação), criatividade (imaginação e iniciação artística) e sociabilidade ( intercâmbios e aceitação de regras)”[7]

Tendo assim, o brinquedo reconhecido como um mediador, Michelet direcionou seus estudos para o desenvolvimento de uma matriz que correlaciona as diferentes necessidades de uma criança e as várias contribuições dos brinquedos em função da idade (por exemplo:  a criança não joga bola da mesma forma aos 3 anos e aos  8). Sua matriz considera simultaneamente os brinquedos, as idades e os principais componentes da personalidade da criança. Um único brinquedo pode auxiliar no desenvolvimento de forma diferente em cada criança dependendo da idade em que é oferecido a ela.  Mais detalhadamente, podemos acompanhar esses conceitos através dos princípios explorados em sua obra: “CADA BRINQUEDO TEM SUAS IDADES. CADA IDADE TEM SEUS BRINQUEDOS[8]”, publicada pelo Centre National D’Information Du Jouet (França, 1980) e não traduzido para o Brasil.

ICCP como ponte

Dentre as sete categorias, duas delas concentram a grande maioria dos brinquedos que proporcionam a brincadeira simbólica. São os brinquedos que reproduzem o mundo técnico e os brinquedos que desenvolvem relações afetivas. Para a indústria e para questões relacionadas às certificações de segurança é necessária essa distinção, pois, os testes de segurança aos quais os brinquedos são submetidos são completamente diferentes. A partir do momento que um determinado brinquedo possui um funcionamento real (de forma mecânica, elétrica etc.), como é o caso dos que representam o mundo técnico, muitos outros aspectos devem ser considerados para garantir a segurança das crianças.

Com o objetivo de organizar e traduzir para a indústria as demandas educacionais considerando a importância da brincadeira simbólica e as compras planejadas para educação infantil propõe-se a unificação parcial das duas categorias. A proposta de unificação tem como objetivo principal direcionar o foco da indústria para os brinquedos simbólicos, sem abrir mão das exigências técnicas de certificação.

Classificando os brinquedos que compõem a lista selecionada pelo MEC, através do ICCP, pode-se claramente enxergar a presença dos brinquedos que incentivam a brincadeira simbólica (tabela 1).

CATEGORIAS%BRINC SIMBÓLICATIPOS DE BRINQUEDOS
SENSÓRIO MOTOR110,87% Conjunto de encaixe de blocos – madeira
1Conjunto de almofadas – tecido
1Almofadão – tecido
1Minhocão – túnel de pano – tecido
1Conjunto de bicho com filhotes – tecido
ATIVIDADES FÍSICAS210,87% Conjunto de bolas – borracha
2Conjunto de bolas com guizo – borracha
2Conjunto de bolas de futebol – vinil
2Conjunto de bolas de volley – vinil
2Conjunto de bolas de basquete – vinil
ATIVIDADES INTELECTUAIS317,39% Conjunto de Encaixes – Cabeça Mamãe e Filhotes – papelão
3Conjunto de Quebra – Cabeça Progressivo – papelão
3Conjunto dominó com textura – MDF
3Conjunto jogo da memória com textura – MDF
3Conjunto jogos profissões – MDF
3Conjunto passa peça – MDF
3Conjunto de blocos lógicos – MDF
3Conjunto de jogo de peças sopradas para encaixe – plástico
REPRODUZEM MUNDO TÉCNICO413,04%47%Conjunto de caminhão Coletor de Lixo – plástico
4Conjunto de caminhão tipo cegonha – plástico
4Conjunto de caminhão tipo caçamba – plástico
4Conjunto de caminhão tipo Bombeiro – plástico
4Conjunto de avião Bi-Plano – madeira
4Cavalo de balanço – madeira
RELAÇOES AFETIVAS532,61%Conjunto de boneca bebê negra – vinil
5Conjunto de boneca bebê branca – vinil
5Conjunto de boneco menino branco – vinil
5Conjunto de boneco menino negro – vinil
5Conjunto de boneca menina branca – vinil
5Conjunto de boneca menina negra – vinil
5Conjunto de berço para bonecas – metal
5Conjunto de carrinho de boneca – metal
5Casinha de boneca – madeira
5Pia de cozinha – MDF
5Fogão – MDF
5Geladeira – MDF
5Conjunto caixa brinquedoteca – MDF
5Conjunto de telefone sem fio – plástico
5Conjunto de máquina fotográfica – plástico
ATIVIDADES CRIATIVAS615,22% Bandinha rítmica
6Conjunto Fantoche Família Negra
6Conjunto Fantoche Família Branca
6Conjunto de Fantoche Folclore
6Conjunto de Fantoche Animais Domésticos
6Teatro de Fantoche – madeira
6Teatro de Fantoche – tecido
  100,00%  Tabela 1

Se utilizarmos essas informações como referência, em um futuro próximo poderemos  contribuir intensamente ”indicando”, a partir de demandas reais, caminhos para fabricação de brinquedos para uso institucional que possibilitem a brincadeira simbólica, com a qualidade desejada, tendo o ICCP como ponte para essas informações.

Através desse sistema de classificação, o trânsito de informações entre o universo educacional e o industrial tende a funcionar como uma via de mão dupla. Uma “highway” com muitas pistas que une os dois mundos tendo como pilares as políticas públicas do Ministério da Educação.   Do lado da Educação o teríamos 6 pistas (categorias ICCP) e do lado da Indústria as informações sobre os brinquedos simbólicos se bifurcassem em duas: reprodução do mundo técnico e relações afetivas.  (Fig.1e 2).

Fazendo uso do levantamento estatístico anual[9], realizado pela ABRINQ, pode-se analisar a distribuição do total de brinquedos lançados pelas aproximadamente 200 empresas associadas, nas 7 categorias, conforme demonstrado na tabela 2.

  20062007200820092010201120122013
1Primeira idade16,0%11,8%4,4%5,4%4,9%13,1%16,6%19,1%
2Atividades físicas17,0%10,0%16,2%13,6%21,4%11,2%8,4%12,3%
3Atividades intelectuais14,0%16,2%10,8%10,6%9,4%13,9%14,9%13,5%
4Reprodução mundo técnico5,0%6,5%11,7%14,7%16,3%7,1%6,5%6,9%
5Desenvolvim afetivo23,0%26,2%32,7%27,1%22,1%26,3%23,0%20,4%
6Criatividade11,0%12,1%12,1%12,8%13,1%13,8%15,6%12,2%
7Relacoes sociais14,0%17,2%12,1%15,8%12,8%14,6%15,0%15,6%
 sub total simbólico28,0%32,7%44,4%41,8%38,4%33,4%29,5%27,3%
 Total100,0%100,0%100,0%100,0%100,0%100,0%100,0%100,0%

Tabela 2

Somando o total de brinquedos fabricados nas categorias 4 e 5 pode-se medir a participação dos brinquedos simbólicos produzidos atualmente pela indústria nos últimos 8 anos. Mas vale lembrar que tais resultados dizem respeito a brinquedos que, em primeira instância, não possuem a qualidade esperada para o segmento escolar. Para que a educação possa fazer uso dos brinquedos fabricados atualmente no país (do total aqui contabilizado), com segurança, caberia aos fabricantes submeter esses itens a uma criteriosa avaliação de qualidade. Se necessário for, aprimorar a qualidade do que já é produzido ou ainda, lançar uma linha de produtos com qualidade diferenciada visando o segmento escolar, isto é, uma linha de brinquedos para uso institucional.

Percepção e valorização da brincadeira simbólica

Dentro da proposta de cocriação, temos alguns casos já realizados no Brasil:

  1. Brinquedo simbólico Freso

A partir de uma pesquisa de mestrado em educação na Universidade de São Paulo, um projeto se transformou em produto industrializado já disponível para venda e incluído em alguns editais municipais de compra de brinquedos.

Com o objetivo de estimular a imaginação infantil através da brincadeira simbólica, Kelly Zoppei Flores, profissional e mestre na área de educação física, propôs a analisar o desenvolvimento da brincadeira simbólica em grupos de crianças em idades entre 5 e 6 anos, a partir de materiais não estruturados. Ofereceu às crianças estruturas tubulares pré-montadas, barbantes, tecido e algumas regras. A partir dos surpreendentes resultados dessa observação, procuramos uma solução técnica para fabricação dessas estruturas e encontramos uma empresa parceira que trabalha com produtos de polietileno rotomoldados: a VERONA Indústria de Plásticos Ltda. Essa parceria resultou no produto industrializado “Brinquedo Simbólico” com a marca “FRESO” lançado na ABRIN, 2013 Feira Brasileira de Fabricantes de Brinquedos.

  •  Linha Elka Educa: educação pelo brincar

A partir das recentes demandas da educação, a empresa Elka Plásticos Ltda. tradicional fabricante de brinquedos, com mais de 60 anos de atuação no mercado nacional, acompanhando as publicações do MEC, estruturou uma nova divisão de produtos voltada exclusivamente para o atendimento escolar. Fazendo uso da classificação de brinquedos ICCP, Revisão 2013, a empresa agrupou a linha de produtos a partir dessa classificação e estruturou seu catálogo de produtos de acordo com a proposta do livro “Brinquedos e brincadeiras nas creches: manual de orientação pedagógica”. Dessa forma, tem como orientar adequadamente os educadores na escolha dos brinquedos que irão compor o mix de brinquedos da escola.  Com a marca ELKA EDUCA e o slogan “educação pelo brincar” a empresa selecionou alguns itens de sua linha tradicional e submeteu a avaliação da equipe da “abrinquedoteca” para adequação a uso coletivo e exaustivo do Guia de Brinquedos e Jogos de 2015. Para complementar a linha, estabeleceu parceria com a empresa francesa NATHAN para fabricação exclusiva no Brasil de alguns jogos cartonados e desenvolveu ainda parceria com outros fabricantes nacionais para atender as demandas de mobiliários para educação infantil.   

Bibliografia:

O papel do brinquedo no desenvolvimento. A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE: O desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. / L.S. Vigotski Editora Martins Fontes, 2007.

O DIREITO DE BRINCAR: a brinquedoteca/ Adriana Friedman ….et al.ABRINQ, 1992.

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS NAS CRECHES: Manual de orientação pedagógica / Ministério da Educação.  Secretaria ade Educação Básica- Brasília: MEC/SEB, 2012. Tizuko kishimoto, Adriana Fryeberger

A EDUCAÇÃO INFANTIL NOS PAÍSES DO MERCOSUL: análise comparativa da Legislação / Ministério da Educação Secretaria da Educação Básica. MEC. SEB, 2013.

DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL / Secretaria da Educação Básica – MEC, SEB, 2010.

Pesquisa: BRINQUEDOS E MATERIAIS PEDAGOGICOS NAS ESCOLAS INFANTIS / Tizuko Morchida Kishimoto , Universidade de São Paulo, 1998.

OS PRINCÍPIOS PSICOLÓGICOS DA BRINCADEIRA PRÉ-ESCOLAR/ Alexis N. Leontiev.

O FNDE E SUA LEI DE CRIAÇÃO – OBJETIVOS.

A CRIANÇA E O JOGO SIMBÓLICO / MS. Kelly Zoppei Flores

ORIENTAÇOES CURRICULARES PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL DA REDE MUNICPAL DE FLORIANÓPOLIS / Prefeitura Municipal de Florianópolis, Secretaria Municipal de Educação. Florianópolis, SC, 2012.

À chaque jouet ses âges. À chaque âge ses jouets.” (1980) publicada pelo Centre National D’Information Du Jouet (França, 1980)

ISO/TR 8124-8  Safety of toys – AGE DETERMINATION GUIDELINES.

“ICCP REVISÃO 2013”/ Comissão Estudos Especiais ABNT, 2013.

Desempenho do Setor de Brinquedos, 2014 /ABRINQ – Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos, São Paulo.

FNDE/SIGARP , 08/07/2014 www.fnde.gov.br

Guia de Brinquedos e Jogos, 2014 / Abrinquedoteca www.abrinquedoteca.com.br

Norma MERCOSUL de segurança de Brinquedos –  NM300:2002, adotada pela portaria nº 108, de 13 de junho de 2005.

Referencias pessoais:

Ângela Renso Madeira, é sócia diretora da empresa Academia de Brinquedos Assessoria e Representação Comercial Ltda. possui mais de 20 anos de experiência no desenvolvimento de jogos e brinquedos, tendo lançado por volta de 30 produtos de sua autoria no mercado nacional, entre eles o “Brinquedo Simbólico” lançado em parceria com Kelly Zoppei Flores. Atualmente presta serviços de assessoria  em Projetos Educacionais na ABRINQ – Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos,faz parte do Grupo de Estudo: Contextos Integrados de Educação Infantil( coordenado pelas professoras Tizuko M. Kishimoto e Mônica Pinazza na Universidade de São Paulo) e é responsável pela divisão Elka Educa na empesa Elka.

Contato: angela.rensomadeira@gmail.com

Tizuko Morchida Kishimoto ,  é coordenadora do Grupo de Pesquisa Contextos Integrados de Educação Infantil – Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.


[1] “O papel do brinquedo no desenvolvimento”  Formação Social da Mente, Ed. Martins Fontes.

[2] Pesquisa – Brinquedos e materiais pedagógicos nas escolas infantis, 1998, São Paulo, SP.

[3] Fonte: site FNDE/SIGARP , 08/07/2014.

[4] Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica – Brasília: MEC/SEB, 2012.

[5] Guia de Brinquedos e Jogos / equipe ABRINQUEDOTECA. Catálogo Oficial ABRINQ, 2014.

[6] NM300:2002, adotada pela portaria nº 108, de 13 de junho de 2005.

[7] O sistema ICCP de classificação, O Direito de brincar: A Brinquedoteca (1985)

[8] “À chaque jouet ses âges. À chaque âge ses jouets.” (1980) publicada pelo Centre National D’Information Du Jouet (França, 1980)

[9] Desempenho do Setor de Brinquedos, 2014

Carrinho de compras
Scroll to Top